terça-feira, outubro 03, 2006

o poço que me ouve

envolto em águas paradas...
num poço eu escrevo...

as paredes como papel...
o corpo como caneta...
o sangue como tinta.

a parede faz-me doer o corpo
mas a voz doi-me mais...
por não haver ouvinte.


tenho saudades de não ter dor e pensar que a tinha.
saudades de me queixar... e pensar que tinha dor...

hoje questiono-me...

hoje rasgo o meu corpo na áspera parede...
e os ouvidos da áspera parede... ouvem-me... e entendem-me.

que bom ter quem me ouve...

em breve espalhar-me-ei pelo poço e fora dele...
em breve comer-me-ão por aqui...

dissipar-me-ei... em bichos que corroem os restos do teu poema...

e as primeiras chuvas lavarão as memórias da dor escrita.

sou um lírico que sofre por não ter...
que sofre por não saber... como não sofrer em silêncio.

estou quase a esvair-me de encontra os braços da árvore que não me deixa afogar

quase a beber o último travo que me levará a ti...

que me envolverá em ti...

que me... em ti...

em ti...

em...

...
..
.
.
.

ex-nós